sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Eu, o fardo

Considero-me um fardo. Algo pesado, difícil de carregar, uma escolha que as pessoas não fazem porque querem, mas porque foram forçadas.

Talvez eu seja como um fardo de algodão: seco, é leve; mas, molhado, torna-se pesado e muito mais difícil de sustentar.

Seca sou eu, o eu que tenta não ser tão complicado, o eu que busca algo melhor, o eu que, por mais problemática que seja a própria vida, gosta de ver as pessoas ao redor um pouco mais felizes. É essa a versão de mim que tenta tornar o fardo que sou mais leve,  a minha versão limpa.

Molhada é a versão cheia de traumas, a versão deprimida, que entra em crises, que não consegue arrumar um emprego, que observa tudo ao redor desmoronando e nada consegue fazer para melhorar. Uma versão bolorenta, podre e fétida.

Um fardo é um fardo, seja de algodão seco, de lavanda ou até mesmo de mel. Nada é possível fazer para que um fardo deixe de ser fardo. Ele simplesmente é.

Eu gostaria de não ser o fardo. Gostaria de ser a brisa limpa e fresca da primavera, de ser tinta aquarela sobre um quadro, ou palavras que carregam boas notícias. Mas eu sou ventania gelada, sou bolor nas paredes e poema triste. Eu sou um fardo.

No início, quando me dei conta do que eu era, fiz absolutamente de tudo para mudar. Ser o que sou me entristece, me causa revolta e desconforto. Porém, eu sempre tomava decisões impensadas e erradas, causava problemas e deixava um rastro de caos. Então aceitei: sou difícil, pesada e tortuosa. Desde então, faço o possível para ser um fardo menos pesado, mesmo sabendo que nunca deixarei de ser um.

Tento todos os dias ser brisa leve, algodão seco e lavanda. Tento melhorar, tomar decisões mais sábias, ser boas notícias e mel.

Acho que é isso que eu sou: um fardo que tenta ser menos fardo, mesmo que isso seja extremamente difícil. Talvez, algum dia, eu deixe de ser um fardo para as pessoas. Serei apenas o fardo que a terra consome, até que, enfim, nada mais eu serei.

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